Faça as pazes com a morte
Quem quer saber da morte? Ninguém. Ninguém quer morrer, e, no entanto, todos vamos morrer. Temos horror à morte e nos desesperamos inconsoláveis quando perdemos um ente querido. Se a morte é uma certeza, não seria melhor nos reconciliarmos logo com ela, melhorarmos nossa relação com ela?
Nossa
cultura não lida bem com a morte. Esconde-a. Morre-se, hoje, na UTI,
sem assistência dos entes queridos, sem o afeto da família. A morte
virou um grande negócio nos hospitais. Arrasta-se a vida quase
vegetativa até não mais poder.
Nossa
cultura banalizou a morte. São tantas as mortes no trânsito e na
violência urbana, que não passam de números e estatísticas frias. Nas
guerras, nas catástrofes impressionam mais os estragos físicos do que a
morte de seres humanos.
Nossa
cultura mente, adiando indefinidamente a morte. "Você vai ficar bom,
não há de ser nada", se diz a um moribundo, perdendo-se a chance de
ajuda-lo a enfrentar seus últimos momentos com o conforto da fé.
A
morte é um evento natural, líquido e certo na vida de cada um. Como
cristãos, podemos ter uma relação mais harmoniosa com a morte.
Precisamos fazer as pazes com a morte. Segundo o Novo Testamento, "o
salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida
eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor". É o que está escrito na Carta
aos Romanos (Rm 6,23). A morte foi vencida pela ressurreição de Cristo,
já não pode mais nos assustar. Fomos sepultados com ele, pelo batismo,
na sua morte. Agora, já participamos de sua vitória, de sua
ressurreição. Assim, a morte já não tem mais poder. Ela foi vencida pela
ressurreição de Cristo. Nosso caminho é o da vida, mesmo passando pela
morte.
São
Francisco de Assis fez as pazes com a morte. Tomou-a por irmã.
Integrou-a no rol de todos os seres e eventos de sua vida humana, a um
tempo frágil e destinada à vida eterna. São Francisco preparou o
momento de sua morte. Convocou os frades para entoarem o cântico das
criaturas, onde um verso dizia: "Louvado sejas, meu Senhor, por nossa
Irmã, a morte corporal, da qual homem algum pode escapar!". Fez as pazes
com a morte.
Santo Agostinho, também ele reconciliado com a morte, deixou escrito:
"A
morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do Caminho. Eu
sou eu, vocês são vocês. O que eu era para vocês, eu continuarei sendo.
Me deem o nome que vocês sempre me deram, falem comigo como vocês
sempre fizeram. Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu
estou vivendo no mundo do Criador. Não utilizem um tom solene ou
triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos. Rezem,
sorriam, pensem em mim. Rezem por mim. Que meu nome seja pronunciado
como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo. Sem nenhum traço de sombra
ou tristeza. A vida significa tudo o que ela sempre significou, o fio
não foi cortado. Porque eu estaria fora de seus pensamentos, agora que
estou apenas fora de suas vistas? Eu não estou longe, apenas estou do
outro lado do Caminho. Você que aí ficou, siga em frente, a vida
continua, linda e bela como sempre foi." (Santo Agostinho)
Pe. João Carlos Ribeiro
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