terça-feira, 3 de abril de 2012

OS CAMINHOS DA PASTORAL BÍBLICA




Como chegar a uma Animação Bíblica de toda a Pastoral?
 Francisco Orofino

São inegáveis os avanços conseguidos pela Igreja católica, a partir do desafio colocado
pelo Vaticano II, em colocar a Bíblia nas mãos dos fiéis. Ao longo dos últimos 50 anos
nossa Igreja fez uma caminhada em que buscou recuperar o tempo perdido, lançando-se
num processo que deve ser analisado a partir das renovações propostas pelo Concílio.
Os resultados que temos hoje foram alcançados através de passos importantes.

Um primeiro passo foi, literalmente, colocar uma Bíblia nas mãos dos fiéis. Não era
costume dos fiéis católicos terem uma Bíblia para seu uso pessoal. Isto exigia rapidez
em novas edições trazendo traduções novas, numa linguagem atualizada. Exigia
também grandes tiragens que alcançassem um preço acessível aos fiéis. Esta meta foi
atingida a partir dos anos 70, com a confecção de Bíblias populares, tais como a Bíblia
da Ave Maria, Vozes, Pastoral etc. As grandes tiragens de Bíblias continuam sendo
feitas, mantendo os preços das Bíblias dentro das possibilidades das pessoas mais
pobres. Anualmente no Brasil vendem-se cerca de 7 milhões de Bíblias. O surgimento
das pastorais bíblicas diocesanas incentivou muito a distribuição de Bíblias aos fiéis.
Este passo ainda é necessário. Prova disso é a Campanha nacional de doação de um
milhão de Bíblias, promovido pela CNBB. Mas o importante neste passo é que,
gradativamente, a Bíblia foi se tornando um livro caseiro, de devoção e de referencia
dos católicos. Hoje a grande maioria dos fiéis tem uma Bíblia para seu uso pessoal.

Um segundo e importante passo foi o desenvolvimento de um método de leitura e
interpretação dos textos bíblicos que ajudasse os fiéis a se apropriar do conteúdo
bíblico. Este objetivo foi alcançado através da popularização do método pastoral ver-
julgar-agir aplicado na leitura popular da Bíblia. Surgiram assim os círculos bíblicos. O
material proposto em um círculo partia sempre de um fato da vida (ver) seguido de um
estudo ou aprofundamento de um texto bíblico relacionado ao fato (julgar). O estudo,
sempre comunitário, concluía apontando pistas pastorais dentro de uma celebração
(agir). Assim, a Pastoral Bíblica em muitas dioceses começou com as equipes
diocesanas de Círculos Bíblicos. 
Dados estes dois importantes passos, podemos reconhecer que Pastoral Bíblica, num
primeiro momento, significava animar e motivar as comunidades para constituir
Círculos Bíblicos, bem como o apoio necessário para que as pessoas fossem tendo mais
autonomia no uso da Bíblia. Dentro deste esforço destacamos as várias propostas de
cursos e de publicações que de fato ajudaram o povo católico a se apropriar do conteúdo
dos textos bíblicos. Tais esforços, como a iniciativa do Mês da Bíblia, são de
reconhecida importância para a vida eclesial.

Estes passos revelaram também a existência de um grande interesse, por parte dos fieis.
Existe uma vontade de saber mais a respeito da Palavra de Deus na Sagrada Escritura.
Interesse este que muitas vezes esbarra na resistência dos párocos, inseguros nas
respostas e nas modificações propostas pela leitura bíblica feita nas comunidades.
Olhando agora retrospectivamente esta caminhada de quase 50 anos, percebe-se
também que uma Pastoral Bíblica não é ainda um projeto prioritário na maioria das
dioceses, paróquias e comunidades. Há esforços localizados para uma adequada
formação bíblica, mas a grande maioria das dioceses nunca elaborou um projeto
consistente de Pastoral Bíblica capaz de formar agentes de pastoral que possibilitem dar
este terceiro e importante passo: a animação bíblica de toda a Pastoral.

Creio que alguns pontos devem ser ressaltados se queremos avançar na formação bíblica
de agentes de pastoral, capazes de animar biblicamente toda a Pastoral:

1. Devemos constatar que está em andamento uma descoberta progressiva de que a
Palavra de Deus não está só na Bíblia, mas também na vida, e de que o objetivo
principal da leitura da Bíblia não é interpretar a Bíblia, mas sim interpretar a vida com a
ajuda da Bíblia. Descobre-se que Deus fala hoje, através dos fatos. Isto gera um
entusiasmo muito grande. Não é tanto por causa das coisas novas que eles descobrem na
Bíblia, mas muito mais por causa da confirmação que recebem de que a caminhada
pastoral que estão fazendo é uma caminhada bíblica e, assim, neles se renova a
esperança. A Bíblia ajuda a descobrir que a Palavra de Deus, antes de ser lida na Bíblia,
já existia na vida. “Na verdade, o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia” (Gn 28,16)! 
2. A Bíblia entra por uma outra porta na vida do povo. Ela não pela porta da imposição
autoritária, mas sim pela porta da experiência pessoal e comunitária. Ela se faz presente
não  como  um  livro  que  impõe  uma  doutrina  de  cima  para  baixo,  mas  como  uma  Boa
Nova  que  revela  a  presença  libertadora  de  Deus  na  vida  e  na  luta  do  povo.  Os  que
participam  dos  grupos  bíblicos,  eles  mesmos  se  encarregam  de  divulgar  esta  Boa
Notícia e atraem outras pessoas para participar (Pastoral Missionária). “Venham ver um
homem  que  me  contou  toda  a  minha  vida!”  (Jo 4,29).  Por  isso,  ninguém  sabe  quantos
grupos bíblicos existem. Só Deus mesmo!

3. Lendo assim a Bíblia, produz-se uma iluminação mútua entre Bíblia e vida. O sentido
e o alcance da Bíblia aparecem e se enriquecem à luz do que se vive e sofre na vida, e
vice-versa. Para que se produza esta ligação profunda entre Bíblia e vida, é importante:
a) Ter nos olhos as perguntas reais que vêm da vida e da realidade sofrida de hoje. Aqui
aparece  a  importância  de  o  estudioso  da  Bíblia  ter  convivência  e  experiência  pastoral
inserida no meio do povo. b) Descobrir que se pisa o mesmo chão, ontem e hoje. Aqui
aparece  a  importância  do  uso  da  ciência  e  do  bom  senso  tanto  na  análise  crítica  da
realidade  de  hoje  como  no  estudo  do  texto  e  seu  contexto  social.  c)  Ter  uma  visão
global  da  Bíblia  que  envolva  os  próprios  leitores  e  leitoras  e  que  esteja  ligada  com  a
situação concreta das suas vidas. 
4. A interpretação que o povo faz da Bíblia é uma atividade envolvente que compreende
não só a contribuição intelectual do exegeta, mas também e sobretudo todo o processo
de  participação  da  Comunidade  (Pastoral  de  Conjunto):  trabalho  e  estudo  de  grupo,
leitura pessoal e comunitária, teatro, celebrações, orações, recreios, “enfim, tudo que é
verdadeiro,  nobre,  justo,  puro,  amável,  honroso,  virtuoso  ou  que  de  qualquer  maneira
merece louvor” (Fl 4,8). Aqui aparecem a riqueza da criatividade popular e a amplidão
das intuições pastorais que vão nascendo com esta leitura.

5. Para uma boa interpretação da Bíblia, é muito importante o ambiente de fé e de
fraternidade, através de cantos, orações e celebrações (Pastoral Litúrgica). Sem este
contexto do Espírito, não se chega a descobrir o sentido que o texto tem para nós hoje.
Pois o sentido da Bíblia não é só uma idéia ou uma mensagem que se capta com a razão
e se objetiva através de raciocínios; é também um sentir, uma consolação, um conforto
que é sentido com o coração, “para que, pela perseverança e pela consolação que nos
proporcionam as Escrituras, tenhamos esperança” (Rm 15,4).

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