Como chegar a uma Animação
Bíblica de toda a Pastoral?
Francisco Orofino
São inegáveis os avanços
conseguidos pela Igreja católica, a partir do desafio colocado
pelo Vaticano II, em
colocar a Bíblia nas mãos dos fiéis. Ao longo dos últimos 50 anos
nossa Igreja fez uma
caminhada em que buscou recuperar o tempo perdido, lançando-se
num processo que deve ser
analisado a partir das renovações propostas pelo Concílio.
Os resultados que temos
hoje foram alcançados através de passos importantes.
Um primeiro passo foi,
literalmente, colocar uma Bíblia nas mãos dos fiéis. Não era
costume dos fiéis
católicos terem uma Bíblia para seu uso pessoal. Isto exigia rapidez
em novas edições trazendo
traduções novas, numa linguagem atualizada. Exigia
também grandes tiragens
que alcançassem um preço acessível aos fiéis. Esta meta foi
atingida a partir dos anos
70, com a confecção de Bíblias populares, tais como a Bíblia
da Ave Maria, Vozes,
Pastoral etc. As grandes tiragens de Bíblias continuam sendo
feitas, mantendo os preços
das Bíblias dentro das possibilidades das pessoas mais
pobres. Anualmente no
Brasil vendem-se cerca de 7 milhões de Bíblias. O surgimento
das pastorais bíblicas
diocesanas incentivou muito a distribuição de Bíblias aos fiéis.
Este passo ainda é
necessário. Prova disso é a Campanha nacional de doação de um
milhão de Bíblias,
promovido pela CNBB. Mas o importante neste passo é que,
gradativamente, a Bíblia
foi se tornando um livro caseiro, de devoção e de referencia
dos católicos. Hoje a
grande maioria dos fiéis tem uma Bíblia para seu uso pessoal.
Um segundo e importante
passo foi o desenvolvimento de um método de leitura e
interpretação dos textos
bíblicos que ajudasse os fiéis a se apropriar do conteúdo
bíblico. Este objetivo foi
alcançado através da popularização do método pastoral ver-
julgar-agir aplicado na
leitura popular da Bíblia. Surgiram assim os círculos bíblicos. O
material proposto em um
círculo partia sempre de um fato da vida (ver) seguido de um
estudo ou aprofundamento
de um texto bíblico relacionado ao fato (julgar). O estudo,
sempre comunitário,
concluía apontando pistas pastorais dentro de uma celebração
(agir). Assim, a Pastoral
Bíblica em muitas dioceses começou com as equipes
diocesanas de Círculos
Bíblicos.
Dados estes dois
importantes passos, podemos reconhecer que Pastoral Bíblica, num
primeiro momento,
significava animar e motivar as comunidades para constituir
Círculos Bíblicos, bem
como o apoio necessário para que as pessoas fossem tendo mais
autonomia no uso da
Bíblia. Dentro deste esforço destacamos as várias propostas de
cursos e de publicações
que de fato ajudaram o povo católico a se apropriar do conteúdo
dos textos bíblicos. Tais
esforços, como a iniciativa do Mês da Bíblia, são de
reconhecida importância
para a vida eclesial.
Estes passos revelaram
também a existência de um grande interesse, por parte dos fieis.
Existe uma vontade de
saber mais a respeito da Palavra de Deus na Sagrada Escritura.
Interesse este que muitas
vezes esbarra na resistência dos párocos, inseguros nas
respostas e nas
modificações propostas pela leitura bíblica feita nas comunidades.
Olhando agora retrospectivamente
esta caminhada de quase 50 anos, percebe-se
também que uma Pastoral
Bíblica não é ainda um projeto prioritário na maioria das
dioceses, paróquias e
comunidades. Há esforços localizados para uma adequada
formação bíblica, mas a
grande maioria das dioceses nunca elaborou um projeto
consistente de Pastoral
Bíblica capaz de formar agentes de pastoral que possibilitem dar
este terceiro e importante
passo: a animação bíblica de toda a Pastoral.
Creio que alguns pontos
devem ser ressaltados se queremos avançar na formação bíblica
de agentes de pastoral,
capazes de animar biblicamente toda a Pastoral:
1. Devemos constatar que
está em andamento uma descoberta progressiva de que a
Palavra de Deus não está
só na Bíblia, mas também na vida, e de que o objetivo
principal da leitura da
Bíblia não é interpretar a Bíblia, mas sim interpretar a vida com a
ajuda da Bíblia.
Descobre-se que Deus fala hoje, através dos fatos. Isto gera um
entusiasmo muito grande.
Não é tanto por causa das coisas novas que eles descobrem na
Bíblia, mas muito mais por
causa da confirmação que recebem de que a caminhada
pastoral que estão fazendo
é uma caminhada bíblica e, assim, neles se renova a
esperança. A Bíblia ajuda
a descobrir que a Palavra de Deus, antes de ser lida na Bíblia,
já existia na vida. “Na
verdade, o Senhor está neste lugar, e eu não o sabia” (Gn 28,16)!
2. A Bíblia entra por uma
outra porta na vida do povo. Ela não pela porta da imposição
autoritária, mas sim pela
porta da experiência pessoal e comunitária. Ela se faz presente
não como
um livro que
impõe uma doutrina
de cima para
baixo, mas como
uma Boa
Nova que
revela a presença
libertadora de Deus
na vida e
na luta do
povo. Os que
participam dos
grupos bíblicos, eles
mesmos se encarregam
de divulgar esta
Boa
Notícia e atraem outras
pessoas para participar (Pastoral Missionária). “Venham ver um
homem que
me contou toda
a minha vida!”
(Jo 4,29). Por isso,
ninguém sabe quantos
grupos bíblicos existem.
Só Deus mesmo!
3. Lendo assim a Bíblia,
produz-se uma iluminação mútua entre Bíblia e vida. O sentido
e o alcance da Bíblia
aparecem e se enriquecem à luz do que se vive e sofre na vida, e
vice-versa. Para que se
produza esta ligação profunda entre Bíblia e vida, é importante:
a) Ter nos olhos as
perguntas reais que vêm da vida e da realidade sofrida de hoje. Aqui
aparece a
importância de o
estudioso da Bíblia
ter convivência e
experiência pastoral
inserida no meio do povo.
b) Descobrir que se pisa o mesmo chão, ontem e hoje. Aqui
aparece a
importância do uso da ciência
e do bom
senso tanto na
análise crítica da
realidade de
hoje como no estudo do
texto e seu
contexto social. c)
Ter uma visão
global da
Bíblia que envolva
os próprios leitores
e leitoras e
que esteja ligada
com a
situação concreta das suas
vidas.
4. A interpretação que o
povo faz da Bíblia é uma atividade envolvente que compreende
não só a contribuição
intelectual do exegeta, mas também e sobretudo todo o processo
de participação
da Comunidade (Pastoral
de Conjunto): trabalho
e estudo de
grupo,
leitura pessoal e
comunitária, teatro, celebrações, orações, recreios, “enfim, tudo que é
verdadeiro, nobre,
justo, puro, amável,
honroso, virtuoso ou
que de qualquer
maneira
merece louvor” (Fl 4,8).
Aqui aparecem a riqueza da criatividade popular e a amplidão
das intuições pastorais
que vão nascendo com esta leitura.
5. Para uma boa
interpretação da Bíblia, é muito importante o ambiente de fé e de
fraternidade, através de
cantos, orações e celebrações (Pastoral Litúrgica). Sem este
contexto do Espírito, não
se chega a descobrir o sentido que o texto tem para nós hoje.
Pois o sentido da Bíblia
não é só uma idéia ou uma mensagem que se capta com a razão
e se objetiva através de
raciocínios; é também um sentir, uma consolação, um conforto
que é sentido com o
coração, “para que, pela perseverança e pela consolação que nos
proporcionam as
Escrituras, tenhamos esperança” (Rm 15,4).
Nenhum comentário:
Postar um comentário